quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Pensar amor nesta hora de dor





Pensar amor nesta hora de dor,
em que as trevas nos poluem, nos diluem;
viver amor nesta hora de dor
em que choramos as flores violentadas
e restos de sol dentro de mim
se transformam em palavras
naus sem norte na distância secreta
deste mar interior.

Não senti na carne a poesia





Não senti na carne a poesia
que não se compadece com palavras.
Andei horas sem que ondas fundas
revolvessem o marasmo do meu ser,
sem o sabor de uma lágrima
rígida e individual para mastigar.
Não sei o que sinto nem pressinto
falta-me a coragem do poema vivo
palavras onde assente este meu fogo.

Sou a sombra do que sou





Sou a sombra do que sou,
pedaço de espuma,
rouco som da onda,
vento que passa no pinhal,
gota de chuva qualquer
de uma nuvem mulher.

Sou, mas meu ser não sei.
Rasto de vento, resto de sol,
vaga mão silente
desenhando versos diversos
de mim mesmo reversos
Sou, mas não sei quem sou

No deserto da cidade





No deserto da cidade
onde tenho de viver,
se cabra cega me perco
cabra cega me liberto
desta penumbra lenta
que meu olhar entreva.
Venham mãos de sol
desvendar a sombra
das paredes que me abrigam,
braços de fogo devassar
as areias movediças
deste tempo sonolento
que lentamente me devora.

Esta cidade nos dói todos os dias





Esta cidade nos dói todos os dias
seus fumos nos corroem nos corrompem
e poluídos no corpo procuramos
verdes prados nos campos da poesia.
Faltam tambores e sinos
clarins e violinos,
mil sons de sinfonia
que em meus ouvidos soem e ressoem
e não há borboletas de fantasia
que nos dêem flores onde poisar.
Apenas geométricos jardins delimitados
onde em cada flor há risco de contravenção
e um ruído surdo e absurdo que ensurdece
meus ouvidos fartos de cidade.

Sem leme nem vela





Sem leme nem vela
sou barco de papel
que nas vagas do mundo
voga à deriva.
Folha seca de outono 

pela vida desprendida, 
gota de gente no mar da multidão. 
Entre quem fui
e hei-de ser
a dor de não saber
quem, na verdade, sou




As dez da noite de domingo





As dez da noite de domingo
as pernas cansam de descanso,
cansam,
cansa sobretudo saber
que amanhã repartição,
carros, autocarros, poluição,
cidade, serviço, sociedade.
As dez da noite de domingo
já cansa meu descanso oficial,
remanso previsto, funcional.
Amanhã segunda feira
e mais uma vez cidade
toda uma semana à espera
de um novo fim de semana.

Neste prédio de apartamentos



Neste prédio de apartamentos
quantas vezes quantos
cúbicos compartimentos
todos iguais ao que penso,
onde pensando me esqueço
sentindo entrar o sol
pela vidraça do sul,
vislumbrando ao longe
os carros que saem da cidade
olhando apenas
sem pensar que vou olhando
Como se olhar desta maneira
também não fosse pensar...

Cigarro a cigarro





Cigarro a cigarro,
minhas horas vou fumando
meu corpo em cinza transformando
os segundos são grãos de areia
de um tempo trastempo
que na ampulheta do peito
suavemente vai escorrendo.

Pelas ruas desta baixa pombalina





Pedestre peregrino pelas ruas
desta baixa labirinto,
vendo montras pedintes e turistas,
manifestações sociais propícias
a poemas sem rima neo-realistas.
Pelas ruas desta baixa pombalina
que vão todas dar ao centro
à praça do pensamento,
passa gente que passeia
entre gente que trabalha,
gravatas, saias, conversas,
corpos tocando ombros
e carros buzinando
num chinfrim sem fim.
gente que passa e repassa
gente gente numa enchente
mil sons de cor cinzenta
sob a mesma nuvem negra
que ensombra o horizonte.

Meu amor adolescente teve um nome





Meu amor adolescente teve um nome
prometendo ser para sempre
como a imagem das florestas
que a pátria permitia.
Ruiu, um dia, no fragor dos sonhos
como todos os castelos de fantasia

Tempos azuis adolescentes





Tempos azuis adolescentes
quando eu detinha
a força das nascentes
e em longos poemas
de versos duros rutilantes
confundia o que sonhava
com aquilo que vivia.
palavras com que procurava
suster o sopro do tempo
que passava e não prendia
versos puros arrogantes
de profeta sem messias
procurando aprisionar
o tempo que me fugia.

De novo o amor volta a ser poema





De novo o amor volta a ser poema
é teu nome de esperança que desperta
as brisas da primavera
É teu fogo mulher que incendeia
os rios de sangue que circulam
nas teias veias do meu corpo
De novo ressuscitas a palavra
da poeira e do asco
que me contaminam
e posso mais uma vez
ser canteiro de flores
e sorriso de crianças
flor silvestre crescendo livremente
nos prados imaginários do horizonte

De novo a força que soergue
o mar que dentro de mim murmura
mar só meu
em maré viva de poema

Teus braços débeis de andorinha foragida





Teus braços débeis de andorinha foragida
vieram relembrar-me sonhos
de uma primavera já esquecida
Então, sorrindo à vida
renasceu em mim a alegria
que eu julgava já perdida.
Com tuas mãos nas minhas
quantas geométricas hipóteses ruirão
no sereno silêncio dos meus dias?

Amar o amor em plural





Amar o amor na primeira pessoa do plural,
amar-te sempre sem temer
a indecisão de não ser
Chamar-te minha dia a dia
hora a hora pensar em ti
Cantar-te sempre meu amor
sem receio das horas que virão
quando vier a solidão
Todos os dias rimar contigo.

Que importa o amanhã





Que importa o amanhã
se viver o amor agora
é poema que vale a pena
e os minutos rendem flores?

Entre nós dois
é sempre tudo num instante,
sempre um rio em cheia de ternura
que nossas mãos atravessam,
sempre um horizonte sem fim
onde aves palavras esvoaçam
Sempre a velocidade incrível
de tudo se associar a ti,
de tudo quanto me cerca
fazer parte de ti,
de até não estares aqui
ainda ser parte de ti.

Na mata das acácias


Na mata das acácias meu amor
em que o verde era mais verde
à sombra do teu calor
ungiu-nos deus o senhor do tempo
ao dar-nos o sol e o sonho
de uma primavera adolescente:
a mata das acácias nossa pátria
que conhecíamos inteira e proibida

Tanto tempo se passou dentro de nós
que nem tuas mãos sei de cor como sabia
Agora apenas somos a memória do que fomos
apenas recordações de um sonho adolescente
que as brumas do tempo consumiram
Na mata das acácias meu amor
foi a fogueira em flor
de uma primavera por cumprir
A mata das acácias minha pátria.

Será possível que um só momento



Será possível que um só momento
lance raízes através do tempo
que certa coordenada passada
ainda nos prenda tão livremente?
Momento que só uma vez se sente
instante sem amanhã

Entre a lua e a cidade



Entre a lua e a cidade
teu corpo de mulher
poesia e aventura
teus olhos mar
onde naufragam
os navios da ternura
teus cabelos caruma
de rosas enfeitada
Entre a lua e a cidade nua.

Navios são berços





Navios são berços
no ondular do mar
e meus versos vão dentro
procurando praias sem fim
e mulheres de amar

A marulhar dentro de mim
o murmurar da saudade

Do cimo desta colina





Do cimo desta colina,
olhando a barra do tejo,
trafaria, bugio
e uma nesga do mar sem fim
que outrora, desvendámos.
Do cimo desta colina
de lisboa cidade
que foi porto de partida
e agora apenas passagem
e memória do passado.
Do cimo desta colina
olhando a barra do tejo,
onde rio e mar se diluem
no mistério da viagem.
Do cimo desta colina
de olhos postos na bruma
sobre mim mesmo
vou pensando em portugal

Mil novecentos e setenta e cinco





Mil novecentos e setenta e cinco
mais uma vez alcácer quibir
quatrocentos anos passados
Será que desta morreu de vez
sebastião dos revoltados?

Nossos mortos



Nossos mortos
da morte todos acordaram
e um a um nos acusaram:
que vida é essa
vivos que não sois?
Mais vale morrer vivendo
do que fingir vivendo
sobrevivendo.

Mesmo pátria antiga

Mesmo pátria antiga
que se saiba viva
é cidade renascida
Porque ser cidade nova
é ter ânsia de cidade
e construir a liberdade
de mãos dadas 
e mãos erguidas.

Que as palavras sejam armas





Que as palavras sejam armas
gravadas no dossel da ilusão.
Seja liberdade o meu pregão
contra todos os slogans da mentira.
Não seguirei os passos irreflectidos
da multidão cega e já esquecida,
continuarei a lutar contra o desespero
sem nunca ceder nem desertar
Inventar mar e madrugada
nas horas mais amargas do meu ser.

Sem versos que nos despertem





Sem versos que nos despertem
dispersos vamos minguando
à sombra doentia das montanhas
a que subimos no passado
Cobardes nos vamos perdendo
sem saudades nem presente
E os fáceis vencedores
em vingança vão crescendo

Minha geração perdeu-se
em crenças e descrença,
passou por nós a tempestade
e. desprendidos da árvore
fomos folhas sem destino
ao sabor da ventania.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

No vaivém do coração





No vaivém do coração,
sempre dor de não chegar
ao fim para que tendo
este sonho esta ilusão
de chegar a Deus só a pensar

Cansei meus olhos de horizonte,
pela distância esvoacei,
ousando além do sol poente.
mas quando a noite desceu
pedi o norte às estrelas,
pelo sonho continuei

Sonhar não é fácil
é ter de ser.
Senão, apenas poeira amarelenta
na cidade onde tenho de viver.
Apenas angústias duvidosas,
silêncios sem sentido
e desespero sem porquê.
mas este poder ser
podendo na verdade ser
tudo venceria sem vencer

Fechar meus olhos e perder-me
na distância
que as palavras me prometem..
Aves palavras procurando
mais além dentro de mim,
aves palavras vagueando
na sinfonia do tempo sem fim

Ao tempo perdido, as mãos lancei





Ao tempo perdido, as mãos lancei
e, peregrinando saudade
palavra a palavra, regressei:
a flor, a catedral, a primavera.
Em parábolas e poemas
reparti meu ser
e, em pedaços disseminado,
num só verso renasci
para de novo ser semeado.

A saudade cresce por mim dentro,
raízes do tempo revolvendo
o templo da memória,
braços de fogo devassando
a areia movediça destes dias.

Esta poesia do calor amarela e seca





Esta poesia do calor amarela e seca
esta campina agreste a demarcar-me
os caminhos ásperos e mediterrânicos
de meu país de silvas e piteiras,
com o sol a pique sobre a poeira
das planuras desabrigadas

Paira na charneca taciturna
o silêncio de um grito por dar
e o húmus gretado pela impiedade solar
abre as entranhas à brisa
que em suas crinas arrasta
um verde som de frescura

Os lábios da terras ressequidos
vão pedindo ao vento gotas de mar
neste comum queimar de terra
nada que salpique a poeira de pureza
um céu cujo azul o calor não deixa ver
e uma luz baça e sufocante
que nos enlouquece e nos faz delirar

Sinto a irreal carícia das searas ondulando
e um intenso cheiro a campo
deserta meu sentimento
Por entre o rumor das cigarras
o compasso desta hora em constante despedida

Este poema por fazer

Este poema por fazer
que há muito trago comigo,
este grito por dar
das coisas que não consigo,
este roer as unhas revoltado,
com remorsos do passado.

Pelos séculos dos séculos,
meu grito de futuro,
onda som serpenteando
pelos abismos do mundo.

Na cidade, mas longe da cidade





Sempre canções por fazer
que, no sossego da madrugada
se transformam em melodias
inéditas e subjectivas
a música imprevista de um verso novo
assomando no postigo do momento

Na cidade, mas longe da cidade
no silêncio deste quarto resguardado
meus poemas são também as minhas grades
flores já semeadas no jardim do tempo
que dia a dia contemplo

O poema certo não tem palavras a mais

Palavra a palavra exercitar poemas





Palavra a palavra exercitar poemas
continuando sem saber como a criação
(as mãos de deus através de mim
no poema vão revelando meu fim)

A tua missão poeta é procurar, não é chegar
procurar sem temer o grito por dar
Dia a dia poemizar meu ser
deixando sempre o poema por fazer
para a distância não perder sentido

Poisado na pedra repouso meu corpo





Pousado na pedra repouso meu corpo
me penso repenso trilhando palavras
versos sinais flores arvores nuvens
sinfónicas viagens no ritmo dos dias

Pedras palavras vou lançando
no lago parado da memória
e ondas lentas concêntricas
relembram sítios antigos
musgos, muros, cedros, urze,
a pátria paisagem onde cresci
sempre os lugares mais ermos
que na memória retemos.

Em silêncio as palavras são





Em silêncio as palavras são
sementes de revolta
que no corpo do poema
vão germinando,
palavras sementes
que de noite me sitiam
mansamente

Deixa que os outros se percam 
no bulício do rossio,
deixa que os outros se enredem
por entre a multidão sem nome
que no comício vocifera e berra.

Acertar todos os relógios pelo bater do coração





Acertar todos os relógios pelo bater do coração,
concentrar o universo num só verso.
Inventar flores que não venham nos compêndios
descobrir novas cores para além do arco-íris

E assobiando poemas
todo o sangue das palavras
se transfunde por mim dentro.

Para quando o poema da emoção





Para quando o poema da emoção
que corra livre, sem ser pensado,
como o ritmo da vida, desejado?
Para quê rimas certas, meditadas
num mosaico de palavras, buriladas?
O poema não é fria arquitectura,
mas delírio, fogo, aventura
e a palavra corre como um rio
pelas campinas do tempo.
O poema é vento que desperta
o sono frágil das gaivotas,
grito de amor e de guerra
que a noite desalinha.
É um rio de palavras repentinas
sem leito que as detenha
nem mar para onde navegar